quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Deus foi parco na sensatez do mundo


"Conseguimos! Portugal tornou-se no país chave da revolução tecnológica"
"Não temos medo do futuro, somos imparáveis. Ninguém nos vai parar"

Em contrapartida, Deus, na sua infinita sabedoria, ofereceu-nos a Psiquiatria. 
Obrigado. 

quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Uma nódoa na gravata


Ou

Portugal dos Pequeninos, A Persistência da Tragédia


O Sr. PM gerindo o incêndio de Monchique a partir do Twitter e do Google Earth.

Sim, está ali uma mosca no ecrã. O Sr. PM explica, por telefone(!), que está ali uma incómoda mosca no ecrã. Sim, mesmo ali, caro Sr. Ministro da Administração Interna (na realidade terá sido "ó Cabrita"), estou aqui a ver, não irá escapar!

Ou o ecrã é táctil e sempre que lá coloca o indicador se abate um relâmpago sobre um eucalipto ou um canadair faz uma descarga. Ou talvez o Sr. PM, na sua impressionante e reconhecida capacidade de trabalho, se entusiasme tanto com as crises que fale com as mãos enquanto é fotografado.

Espero que seja vodka na garrafa perto da bola anti stress. Espero ainda que quando ligar o candeeiro se sinta finalmente ofuscado pela consciência do ridículo a que chegou.

Entretanto, enquanto o Sr. PR continua a banhos e afectos, observamos as forças de segurança a remover compulsivamente nossos concidadãos das suas propriedades, sem qualquer apoio no combate às chamas, e o Sr. Ministro da tutela e o Sr. PM a realçarem o sucesso da intervenção, confirmado pela excepção à regra!

Este argumentário, em estilo e atitude, remete-me sempre para infelizes memórias de alas de geriatria, para a sensação de contacto próximo com o flagelo da insanidade.

Paira sobre toda esta gente uma auréola de incompetência negligente, um desinteresse sonso, uma letargia mórbida, da qual se agitam apenas quando sentem pressão das redes sociais. Continuamos uma longa tradição de grau zero na política.

Se o Sr. PM, por (in)oportuno engano, tivesse utilizado o Tinder, muito provavelmente a imagem de satélite no ecrã seria a de esse outro mestre da comunicação social:



Continuamos em roda livre.

Talvez seja apenas mais um dia no esquife sem leme, no ataúde sem tampa que é agora este País, dignidade esvaziada por décadas de rapazinhos oriundos das juventudes partidárias, esses aviários de ministros, nas palavras de Pulido Valente.

Sim, venham os veículos eléctricos, vamos poupar o ambiente. Mas nem uma palavra sobre o lítio, sobre o carvão nas termo eléctricas (sim, carvão!), nem as emissões de gases com efeito de estufa dos nossos alucinantes e dantescos incêndios florestais.

Os incêndios não começam assim sem mais, afirmava há uns dias a Sra. Patrícia a respeito do risco associado às temperaturas elevadas, pouco antes do início desta tragédia. 
Logo emendou. As ignições são essencialmente negligentes: queimadas, churrascos, gente que vai fumar para o pinhal, cabalas de esquilos, enfim. 
Não há qualquer intenção, não há qualquer conspiração, há apenas a "época de incêndios", que precede a "época de caça".

É difícil manter a sanidade nesta sociedade mediática, liderada pela alienação mental e pela mentira.

E continua a tragédia humana...



quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

A Dissolução do Regime

Ou
A Bela Adormecida, a Confraria de Flautistas, e a Companhia da Ladroagem


Portugal, A Felicidade e A Paz Social
(obtido no site da presidência) 

O incansável Animador, Comentador e Pedagogo de serviço, teria nesta ocasião - Deus lhe desse na política a dignidade e coragem do gélido mergulho público, ou para o público - a imperdível oportunidade de dissolver aquela quimera, aquele indecoroso simulacro de III. ordem, em que se tornou a AR, o Regime, e o sistema partidário. Isto enquanto, adormecidos, lutávamos pela família, pelo emprego, contra a asfixia da tragédia, da burocracia, da intencional inanidade dos telejornais.

É que temos agora a inegável evidência, que apenas pode eludir vítimas de surdez intelectual, da existência de uma autista partidocracia que decide, em benefício próprio, na mais bárbara e degradante violação da moralidade, isentar-se a si própria do pagamento de impostos, impostos esses que sobrecarregam em grau implacável e quase mórbido a restante população de não-privilegiados, de não-amnistiados, de não-fisco-perdoados.

Citando um velho senador do PSD, em óbvio acto falhado ou influência de substâncias, para os amigos tudo, para os inimigos nada, para os outros cumpra-se a lei. 

Os Outros somos nós, Portugueses.
A rapaziada dos partidos está só de passagem, a caminho de pousadeiro mais verdejante.


Que do centro PS, PSD e CDS - nada se espere, tange há muito a infeliz situação do País. Além de atitudes que levariam um carteirista a corar de vergonha e um incompetente a sorrir de orgulho.

Neste transe, encontramos as surpresas na periferia, esse logradouro da ilusória superioridade moral.

O BE, como é usual, assume a típica atitude da ratazana que, ao primeiro sinal de polémica, abandona o navio que ajudou a afundar. Está na sua natureza. Até Iscariotes teria sentido o pudor do lenho e da corda.

O PCP, contumácia que se confunde com o paroxismo do fanatismo, insatisfeito com o dízimo que exige aos seus crentes, nada interessado está em pagar IMI sobre o seu colossal património, legado na morte por aqueles que,  em vida, aplaudem selvaticamente os inenarráveis encómios do seu secretário-geral à república progressista da coreia do norte, que sonham com o regresso do velho e decrépito império soviético, e, acima de tudo, com um mundo purgado de patrões - trabalhadores finalmente livres, em horário zero, já sem indigno posto de trabalho (desempregados, em linguagem corrente), com uma guitarra, reunidos em torno do braseiro, cantando, relembrando epopeias imaginárias, aclamando os heróicos obreiros da mítica vitória final.


Na verdade, surpresa não é isso.

Surpresa é insistirem em escapar ao IVA e ao IMI, surpresa são os intermináveis processos da AT sobre o PS, a regularizar por estratagema legislativo. 

Surpresa é o PCP e Companhia
, prudentemente reunidos no silêncio dos claustros da AR, e o seu longo braço armado sindicalista que vê no patronato o flagelo da pátria, não quererem pagar impostos.

Surpresa é o secretismo de que se serve gente com atitudes próprias de uma cambada de malfeitores para lucubrar diplomas imorais com propósitos perversos.

No passado, agora e sempre, a Lei ao serviço do interesse corporativo, sobreposta a toda e qualquer restrição moral.


Surpresa é observar o Presidente dos Afectos, do beijinho, do pastel de nata, do copo meio cheio, do auto comentário político, mais preocupado com a própria imagem do que com o estado lastimoso a que chegou este pequeno paísque cada vez mais oscila entre a bagunça de uma república estudantil e o pesadelo de um escatológico estado falhado centro africano -, nada fazer além de produzir uma sucinta e inócua justificação para devolver o diploma à procedência, esperando que gente sem vergonha sinta, pelo punho ígneo do escrutínio público, o pudor de uma Consciência que aparenta não ter.

Acorde meu caro senhor presidente, acorde dos passeios de província, nem que seja com o frio das abluções marinhas.

Acorde, deixe de tergiversar e de se esconder no subterfúgio da Paz Social, esse termo ridículo, e, à falta de um fio de ariadne, puxe o autoclismo que há-de purgar a bandidagem que continua de mandíbulas aguçadas cravadas no pescoço do Estado, subvertendo a pouca dignidade que ainda lhe resta.

Nunca a necessidade foi tão ensurdecedora. Nunca a democracia se encontrou tão comatosa sob o jugo de um regime tão perverso.

Parafraseando Koestler, o senhor presidente adormeceu e a consciência dos políticos tornou-se na avidez de malfeitores. E o senhor presidente continuou a dormir.

Acorde! Acorde e ganhe coragem! 
Corra com a turba de facínoras que assalta o vilarejo.

Acorde! Acorde e ganhe coragem!
Não adie para 2023 a solução para os mais pobres dos pobres, dos abandonados pelo sistema, dos sem-abrigo, desses seres humanos cujas condições de vida são um escarro na face deste país.

Acorde! Acorde e seja o Leão de que necessitamos em tempo de hienas.
De acomodados mestres de cerimónia já temos aziagas décadas de fastio.

Acorde! Ou saia da frente!
De outro modo ficaremos todos nas mãos de Deus, que tende a olhar estes assuntos mundanos com infinita paciência.

Obrigado somos Nós, todos,
Portugueses.

(nova redacção, por sugestão de uma querida companheira, que me recordou que até um velho samurai sem espada se torna mais apresentável após barba e cabelo e uma breve sessão de fitness) 

quarta-feira, 12 de julho de 2017

O Avô, os Incêndios, as velhas Armas e a Paz Social

O Avô desta nossa Pátria, sempre exultante na interpretação heróica da História, encontrou na mansidão das suas gentes um pretexto para cunhar um novo atributo com o qual presentear o Povo.

É um hábito inerente ao cargo. Fora-nos outrora gentilmente oferecido o termo "magistratura activa de influência", pelo anterior "homem do leme", lá longe, no seu saudoso eremitério, gravando a ferros as palavras ensimesmadas que brotam para a sua vingativa biografia política e para o tédio dos seus roteiros, sempre de belas tonalidades, aquecendo-nos o inverno no interior da lareira.

O Eremita Silencioso, mais louvado pela tranquilidade da sua ausência que pelo disparate provinciano da sua sempre inoportuna oratória, conseguiu deixar ao seu sucessor, O Avô, um imenso espaço político por explorar, o da "Proximidade ao Povo". Ah, O Povo. O povo rústico, o povo católico, o povo de bem, o povo que aplaude a sua simples presença enquanto animador de serviço.

E assim, O Avô, que tanto teria a dizer acerca da infeliz situação a que este País chegou, lá se dedicou ao Abraço, à rápida inauguração seguida de outra ainda mais rápida festividade. Terá abraçado já para cima da centena de milhar de concidadãos.

Sabemos que terá de ser afoito. Seu netinho avisara com antecedência, "Avozinho, é só um mandato!", e Avozinho bem se esforça.

Na visão do mundo que perece herdada do tempo que passou enquanto potencial delfim, aguardando a limusina que haveria levá-lo à então presidência do conselho, O Avô trouxe consigo o prazer pela "Paz Social" e pela "'Descrispação' Política" neste País de tépidas águas partidárias, porteiros do regime, e grupos de interesse acomodados no eterno "mexer muito é estragar".

E não é que, nesta bonomia, orbitando como apraz a qualquer anjo zelador, acabou, O Avô, agrilhoado à implacável e sempre incómoda realidade?

Continuamos no lixo, embora um lixo um pouco mais sólido na percepção, que, infelizmente, ainda não coloca pão na mesa.
Temos de crescer mas não há maneira, enfiados como estamos neste complexo de Peter Pan tutelado por figurar patriarcais.
Após décadas de subsídios continuamos de mão estendida e sem infraestruturas, aguardando que as estórias sejam substituídas pelas verdades.

Ocorre uma tragédia nacional, irrepreensivelmente acompanhada pelo Avô, é certo, justiça lhe seja feita, carregando às costas a incompetência e dolosa inércia dos "serviços políticos" que tutelam a protecção civil, causa indirecta de seis dezenas de compatriotas vítimas do horror.

Havia uma árvore, havia um trovão. Garantidamente.
Estava tudo a arder e a pobre árvore já havia sido identificada.
Mas nem o relâmpago chegou à árvore nem o trovão passou por ali.

Sente-se a narrativa oficial vacilar.
É triste, tantos políticos e subalternos a remar para o mesmo lado e afinal não houve relâmpago àquelas horas nem naquele local.

No entanto, ficamos com cinco por cento de probabilidade de o incêndio ter deflagrado como consequência de um relâmpago(?!). Pode até ter-se tratado de uma linha de alta tensão e de uma outra pobre árvore ainda por identificar.

O salta pocinhas que governa esta república estudantil, tal é o caos, desorganização e aparente abuso de substâncias, explicou detalhadamente o fenómeno da trovoada seca na complacência da comunicação social, ainda antes de aparecer um monte de gente, malditos pessimistas, provavelmente em delírio colectivo, a afirmar que trovoada não, só "muito mais tarde e muito longe".

Afinal não demos todos as mãos. Alguns preferiram dar combustível ao mato.

Quando já o próprio sempre jovial Avô se preparava para um retiro de meditação, orbitando por reinos além mar, outro escândalo se abate sobre o País.
Salta pocinhas, óbvio optimista segue para banhos. Crises nacionais são coisa de secretário de estado para baixo.

Tanto alarido criado porque aparentemente já não se pode ir a um paiol das forças armadas não vigiado arranjar pirotecnia para o próximo S. João.

O Avô, apesar de cansado com os seus voláteis súbditos, ainda arranja tempo para ver dois dos grandes, dos maiores, heróis nacionais deste povo rústico.
E, desilusão sobre desilusão, ouve Salvador divagar acerca dos sempre incómodos gases intestinais, e Ronaldo, O Rei, "melhor jogador do mundo, vírgula", amuar por não disputar a final. Compreende-se. Maldito jogo, indigno da presença d'O Melhor do Mundo, aquele que trata Presidentes da República por "você". Santinhos, cabisbaixo na conferência de imprensa, é o retrato da desiludida falta de autoridade, com ar de quem também já quer vir embora. Bastava ter pedido ao Mendes.

E agora, caro Avô, agora que os próprios militares ameaçam protestos, onde irá o meu caro pendurar a bandeira da Paz Social?
Agora que morreram dezenas de pessoas por inépcia, incompetência, procrastinação, desinteresse de políticos de sucessivos governos e seus delegados políticos em organizações operacionais de carácter técnico.
Agora que uma PPP se mostrou não apenas ruinosa para as financas publicas mas mortífera!
Agora que "desapareceram" dezenas de quilos de explosivos plásticos e respectivos detonadores (guarda-se a chave do cofre em cima do próprio cofre), mais de uma centena de granadas ofensivas e dezenas de lança granadas (quem sabe se não terá sido um pobre tuaregue no seu solitário dromedário a passar na velha abertura da cerca).

E agora, meu caro?! Onde está a Paz Social? Onde está a "descrispação" e a "cooperação institucional"?!

A ajuda às Pessoas, para tentarem refazer as suas vidas devastadas, vai demorar tanto como é usual? Ou seja, 'nunca'?

Não sendo tudo negativo, tivemos hoje o regresso do filho pródigo às câmaras televisivas, ar grave adequado às circunstâncias, enquanto o chefe de estado maior general proferia, alguma aflição visível, própria de quem pouca convicção tem naquilo que diz, as mais bárbaras trivialidades.

Afinal foi coisa de pouca monta, pouco mais de trinta mil euros em material de guerra, como se fosse o custo dos explosivos que nos preocupa, dezenas de lança granadas prestes a serem abatidos ao efectivo, umas palavras incoerentes acerca de a segurança não ser da exclusiva responsabilidade das forças armadas, de termos de estar todos envolvidos e de ser necessário responsabilidade acerca das "câmaras".

Quais câmaras, Senhor General?!
As câmaras municipais? A video vigilância das estruturas das forças armadas? Os drones nos corredores da aviação civil? O problema de a Internet estar completamente poluída por selfies desfocadas e fotos de orientação vertical?

Quais câmaras, Céus?!

Os explosivos plásticos também estavam fora do prazo de validade? As granadas ofensivas eram de brincar? Os terroristas vão ter uma grande surpresa quando tentarem utilizar os lança granadas de brincar à português?!

É isso? É como os três cafés diários que "reduzem o risco de morte"? Outra pérola da nossa "comunicação social".

Podemos abrir os paióis à iniciativa de voluntários para levar aquela velha tralha inoperacional toda para a sucata?!

Minha nossa Senhora!
Este País é, e tem sido sempre, liderado por uma súcia de incompetentes de duvidoso carácter e pouca vergonha, que ainda tentam fazer-nos passar por parvos com as estórias da carochinha que conjuram.

Meus Senhores, tenham Vergonha!
Nem que seja poucochinha.

domingo, 4 de junho de 2017

Epístola ao Político Desconhecido


Prezado Amigo,

Com o carinho que o morcego reserva ao mamífero sua vítima, venho pela presente felicitá-lo pela sua candidatura, que me merece o maior apreço e consideração, sem a qual sentiria inevitavelmente o desvario próprio do homem perdido em suas lucubrações.

Louvo vossência, inaudito é certo, por amparar os meus mais exacerbados receios, nesta nova era de lusco-fusco.

Não porque acredite que tenha uma ideologia, a sagacidade ou a iniciativa para colocá-la em prática. Nem porque se me afigure tratar-se de um bem-intencionado pragmático.

Não porque creia que o meu amigo vá alguma vez cumprir as promessas lavradas nas feiras da demagogia com o auxílio do factótum que tem a exclusividade do seu ouvido, cuja alma foi vendida, e logo comprada por gente sombria, por pouco mais que uns parcos tostões. Um, dos tantos, bufarinheiros da Pátria.

Não porque acredite que o meu caro amigo seja algo mais que um títere sem carácter, destramente manuseado por mestres, velhos como o tempo, alérgicos a todo e qualquer princípio moral.

Não porque em momento algum tenha sequer remotamente duvidado que olhará bem por si próprio, cartão num bolso do casaco entalhado "A Pátria", a fogo dos cascos daquele que ocupa o círculo gelado do inferno, reservado aos traidores, e, no outro, "O Povo", insignes conceitos em língua tão rápida no estrépito quanto cega em vassalagem de uma consciência que mais não pode fazer que sorrir, na clandestinidade reservada aos répteis e no sadismo da facilidade pérfida com que ilude os mansos.

Não, meu bom amigo, não é por qualquer destes motivos que voto em si.

Voto em si porque me parece ser o único capaz de nos salvar a todos do delírio sociopata dos seus adversários.

O chauvinista racista, xenófobo e homofóbico de extrema direita.

O lunático de extrema esquerda que não acredita na propriedade privada e sonha com um mundo sem patrões, repleto de funcionários públicos já sem ninguém a quem servir, cantando em torno da fogueira sem pensar no amanhã (embora tenha hipocritamente enviado a filha para a ivy league do grande Satã), tecendo vergonhosos encómios aos camaradas da Coreia do Norte enquanto uma súcia de fanáticos, ou surdos, aplaude selvaticamente. Essa gente do braço do ar na toada “até à vitória final”, qualquer que ela seja.

Mais lhe agradeço por nos salvar dos terrores da sharia e da insanidade que impede tantos maníacos de compreender o propósito da laicidade do Estado e o imperativo moral de respeitar o direito ao livre pensamento do próximo.

Muito obrigado por ser um corrupto sem escrúpulos.
Há gente muito pior.

A Pátria honrai, meu estimado amigo, pois a Pátria irá certamente contemplá-lo.

Deste sempre seu, com admiração e afecto.


quarta-feira, 30 de novembro de 2016

A Era da Sílfide


Raramente percorro a vacuidade dos telejornais nacionais, tão tísicos no jornalismo quanto são avaros no sensacionalismo básico, pueril, prato mal confeccionado e pior apresentado.

Dos interesses das plataformas comerciais e políticas aos enlatados situacionistas que nos servem ao jantar, do "CR7"™ às redes sociais, do gato que trepou a árvore ao sujeito que bebeu duas dúzias de cervejas com a felicidade espelhada no semblante, da nova novela do canal aos comentadores do regime, mérito lhes seja reconhecido pela paródia da argumentação e facilidade na forma ausente de conteúdo, sinto-me ocasionalmente exasperado com aquilo que vejo, e, em simultâneo, admiro a nova construção que integra a censura do conhecimento sem dela necessitar enquanto instituição formal.

Mas, ocasionalmente, interpretamos, ainda que estupefactos, na ausência, na inanidade daquilo que observamos, o espírito de uma era, maculada por fatídicas reminiscências das trevas de um passado comum não tão distante quanto seria de esperar.

E foi neste enlevo, quase pateta por incredulidade, que consegui observar lunáticos da esquerda radical, aqueles que aplaudem de pé um escabroso ditador como Fidel, o carrasco de um povo, "um homem de convicções fortes", gente que tem como obsceno modelo de desenvolvimento a Coreia do Norte, a Venezuela e a antiga união soviética, alguns deles traidores da sua pátria nos tempos da guerra fria, como tristemente nos recorda Mitrokhin, em simultâneo lamentar a morte de um ditador e recusar, quais crianças birrentas sem educação, levantar o respeitável cu da respectiva cadeira que ocupam naquele circo em que se transformou a AR, em sinal de um mínimo de respeito pelo discurso de um chefe de estado de uma Democracia.

Não que aceite a monarquia, mas preferindo-a mil vezes à "revolução sempre", é ininteligível e assustador o estertor de vergonha que impede certos grosseiros fundamentalistas de compreender a dignidade inerente ao cargo que ocupam.

Enfim, talvez tenham razão. A pedagogia é para as escolas, e a vergonha e a dignidade há muito que não moram aqui.

Concomitantemente, na paródia das aparências e dos simulacros, da felicidade tola ou que pretende enganar tolos, temos um animado Senhor comentador televisivo no mais insigne cargo da nação, um pouco retraído desde a publicação daquele ominoso decreto lei que além de não servir para o que quer que seja logo foi repudiado por todos aqueles que o aprovaram, gente de curta memória e pouco pudor, dizia, temos aquele Senhor, qual Nossa Senhora rodeada de pastorinhos, a receber banhos de alegria juvenil, numa bárbara instrumentalização de crianças para realçar a sua imodesta "abertura ao povo", que acabou por concretizar uma das mais nefastas e anedóticas réplicas das cerimónias do tempo da outra "senhora".

Quem sabe, um destes dias teremos a esquerda radical a louvar Salazar pelas suas fortes convicções.

É neste ponto que me interrogo sempre, porque se me apresenta como mutuamente exclusivo: prefiro uma liderança de corruptos e inaptos rapazinhos das "juventudes"  ou a liderança sombria de um fanatismo sancionado pelo sindicalismo da função pública?

Ou será simplesmente tempo de começar a preparar lenha para as "fogueiras"?

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Serviço público

Por Gajo Porreiro




O parque estava estranhamente vazio, para um domingo à tarde. Um grupo de miúdos improvisava um Benfica-Sporting e a passarada bicava migalhas de pão, atiradas ao ar por uma senhora que ia tricotando enquanto vigiava os netos.

- Quando era puto, chegámos a fazer aqui campeonatos entre ruas. – disse José, ao mesmo tempo que o “Benfica” marcava um golo – Fazíamos equipas de dez jogadores, mudávamos de campo aos três e acabava aos seis. Era canelada de meia-noite, só te digo. E não havia cá foras-de-jogo, ó caraças. Atacavam e defendiam todos. Depois íamos para casa, sujos e cheios de nódoas negras. Quais playstations, qual caraças…

Tobias não ligava muito à bola, mas ficou ali com o amigo durante uns minutos, talvez à espera do 2-0.

- Aquele baixinho faz-se, não achas? Sacana do puto, finta bem e corre que nunca mais acaba. Faz lembrar o Chalana.
Bem, vamos mas é andando, que isto ainda é capaz de chover.

Junto ao portão de saída, aparece um cão a correr atrás de uma bola e Tobias, assustado, encosta-se a José ao mesmo tempo que dirige uns impropérios ao animal. José sabia que o amigo não se sentia à vontade com cães, por muito sossegados que fossem. Talvez tivesse sofrido um trauma na infância do qual nunca recuperou, sabe-se lá.

- Ó amigo, prenda lá o cão, se faz favor! - e olhando para Tobias: - E tu tem calma, pá…

O dono, homem na casa dos trinta anos, acompanhado pela mulher, chama o cão com dois assobios, sem resultado. A ansiedade de Tobias aumenta a cada segundo, e, perante a passividade do homem, José insiste: - “Mas você prende ou cão ou quê?”

- Não se preocupem, que ele não faz mal. – assobia outra vez e o cão volta a ignorá-lo, continuando a correr e a ladrar.

- Ouça, não sei se ele faz mal ou não, mas sei que devia andar à trela e não solto. E pela terceira vez, prenda o cão, se faz favor! 

- Tenha lá calma, homem…  se eu não o prender o que é que você faz? Bate-me, quer ver?

José levou o nervoso Tobias até ao banco de jardim mais próximo e pôs-lhe a mão sobre o ombro: - Ficas aí sossegado que eu vou tratar do assunto, ok? Tem calma e não saias daqui.

Arrancou em direcção ao outro, em passo acelerado, e, depois de alguns segundos de esbracejos e troca de pontos de vista, o dono do cão sentou-se ali mesmo no meio do chão, provavelmente a pensar que era melhor começar a usar a trela, como aliás, manda a lei. Sempre disposto a ajudar, José foi buscar o cão e levou-o à dona, visto que o dono se mantinha quieto e pensativo.

Voltou ao banco onde tinha deixado Tobias, libertou-o do apoio de ferro onde lhe tinha prendido a trela e retomaram o caminho.

- Quando nos calhavam os ciganos que moravam no bairro que havia ali em cima é que era tramado. Às vezes nem se chegava a começar o jogo. Belos tempos, aqueles…

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

A perfeição dos tempos modernos

É aquela que toda a gente partilha, diariamente, nas redes sociais. É aquela que apresentamos aos outros em forma de publicação. Parece que actualmente todos somos felizes, todos comemos coisas maravilhosas, todos vamos a locais espectaculares, todos temos a família perfeita, os amigos ideias, parece até que hoje em dia somos todos atletas de alta competição ou especialistas em tudo e mais alguma coisa, parece que hoje em dia todos temos uma vida perfeita, a perfeição dos tempos modernos.
E é aquela que nos exigem todos os dias, porque uma fotografia mal tirada, um erro ortográfico, umas gorduras a mais, uma atitude que fuja daquilo que está previsto, uma afirmação com a qual os outros não concordem, um erro, uma forma de vida diferente, uma fuga às supostas regras, um simples assunto banal ou uma história que deveria ser privada se pode tornar viral, se pode parecer com uma notícia capaz de fazer mudar o mundo, parece que hoje em dia todos nos exigem que tenhamos uma vida perfeita, todos nos apontam os erros, o dedo, todos nos criticam, todos nos dizem o que está bem e o que está mal em nós, todos esgotam os assuntos de forma irremediável, é a perfeição dos tempos modernos. 
Parece que hoje em dia toda a gente a pode exigir, a tal da perfeição, porque já ninguém comete erros, já ninguém tem dúvidas sobre nada, toda a gente está em posse dela, da tal perfeição.

Talvez por isto eu goste cada vez mais de pessoas imperfeitas, por me identificar com elas, talvez porque a perfeição dos tempos modernos me assuste e eu não queira fazer parte disto.

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Aquela pessoa #7



Que quer sempre ganhar o campeonato mundial das doenças.

Eu também estive assim com tosse mas pior. Cheguei a cuspir sangue. Sangue com ranho, claro, porque estava mais entupida que tu - tinha ranho até à testa. Saía-me pelos poros capilares e as pessoas pensavam que era cabelo oleoso.
Sei que agora não se nota, mas fiquei com danos irreversíveis nos pulmões. Não pior do que aquela vez em que tive uma infeção nos brônquios de fazer envergonhar qualquer doente terminal, claro.
Por isso não te queixes.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

que às vezes, é bom lembrar

- Falhamos a vida, menino! 
- Creio que sim... Mas todo o mundo mais ou menos a falha. Isto é, falha-se sempre na realidade aquela vida que se planeou com a imaginação. Diz-se: «vou ser assim, porque a beleza está em ser assim». E nunca se é assim, é-se invariavelmente assado, como dizia o pobre marquês. Às vezes melhor, mas sempre diferente.” 

― Eça de QueirósOs Maias

diferente não é mau. só diferente.

sábado, 17 de outubro de 2015

Duas lições de vida

4.ª aula - 4 de Dezembro

Querido diário:

Cheguei à aula dois minutos antes de ela começar. Avisei que ia tomar café porque estava a dormir em pé, e ameacei que, sem ele, continuaria a dormir sentada, ao volante. Procurava, assim, justificar igualmente a minha inaptidão de anteontem. O instrutor disse-me: "Força!". Se calhar, pensava que eu levava alguns dez minutos a tomar o café, mas enganou-se. Dois minutos depois, lá estava eu, pronta para mais uma. Ele disse que ia só à casa-de-banho, eu respondi "Força!", e ele literalmente correu para lá. Acho que anda cheio de nervos, coitado. Lá coisas da vida dele, certamente.

Sem qualquer justificação aparente, o carro que usei nas duas primeiras aulas continua na oficina. Portanto, apanhei outra vez com o da embraiagem só para mim. Hoje só meti um "prego". Amanhã não meto nenhum. Ele faz uma cara ai-minha-rica-caixa-de-velocidades, mas não se pronuncia grandemente. Suponho que vai consciente, inclusivamente porque me mandou outra vez para o deserto. Fartei-me de dar voltas e mais voltas naquele parque vazio. Deve ser um frete igual conduzir em Dakar (naquilo do Paris). Estive tentada a meter uma terceira, só para lhe mostrar do que sou capaz, mas não meti (porque não sou capaz).

Mesmo assim, ainda se aventurou comigo até ao Sporting velho. Já me confessou que é sportinguista, só pode ser por isso que me faz levá-lo a passear entre estádios verdejantes. Nessa rua, há cerca de três séculos em obras, enfiei uma roda num buraco, e ele gemeu. Capaz de aquilo na casa-de-banho não lhe ter corrido de feição. 

Eu sou uma condutora-aprendiz-instruenda inexperiente, mas não faço só disparates. Ainda faço bastantes, mas vou ao lugar. Por falar nisso, já estaciono o carro nos buracos mais pequenos que ele encontra. Pareço uma costureira, a enfiar a linha no buraco. É a melhor comparação que me ocorre agora.

Amanhã volto. 
Blue

~

5.ª aula - 5 de Dezembro 

Querido diário:

Bom, eu progrido na condução de dia para dia. Conforme prometi ontem, hoje não meti nenhum "prego". Ainda me dirigi para o lugar do passageiro, quando o instrutor me lembrou que eu ia conduzir, não passear, mas foi tudo. É só um vício que tenho que corrigir, apesar de estar convencida que não vou chumbar no exame por causa deste engano.

Quando acordei de manhã, pensei que ia, finalmente, fazer o meu primeiro dia de condução com chuva — que ia estrear os limpa-pára-brisas. Mas não, esteve sempre a ameaçar tem-te-não-caias, mas não choveu.

Hoje meti terceira! Íamos a descer a Av. Padre Cruz, ele disse-me aquelas palavrinhas mágicas, e eu engatei a mudança dos meus sonhos, em pleno complexo Buzz Lightyear, para o infinito e mais além!. Quinta lição, quinta dimensão. Mais adiante, um sinal vermelho. Travei, suavemente, e verifiquei que a cabeça do instrutor já não parece tanto uma bola lançada à parede quando eu travo. Nem quando eu arranco.

À entrada de uma curva, buzinei outra vez sem querer. Mas descartei-me assim: "Isto foi para assinalar a minha chegada. E também, ia ali um ciclista, era a ver se o fazia cair". Ele já vai começando a descontrair-se e até se ri de algumas coisas que eu digo. Falámos sobre crianças a aula toda. Ele só tem um filho, com 14 meses, de modo que eu tenho muito que lhe ensinar.

Mesmo na condução, tenho muito que lhe ensinar. Acredito sinceramente que ele vai ficar mais rico quando acabarmos estas aulas. E vai empobrecer quando me vir partir — a toda a velocidade — da vida dele.

Até terça.
Blue

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Tão simples, a perfeição.



Quanto mais as pessoas resistem à realidade, mais tempo demoram a vivê-la.

A imagem acima foi uma amiga minha que colocou no Facebook. É escusado dizer que nunca conheceu o seu homem perfeito
Vou pedir-lhe que deixe de procurar adjetivos (lindo, sexy, carinhoso, trabalhador, perfeito). Vou pedir-lhe, aliás, que deixe de procurar. Que se renda à única definição de perfeito que um homem tem (quer preencha ou não todos os itens da checklist imaginária). Um homem que a tenha em primeiro lugar. 

Não é fácil encontrar. Mas, uma vez encontrado. não há erros de identificação, nem irrealismo nesta perfeição. Juro. Eles andam aí.

domingo, 11 de outubro de 2015

tristezas não apagam facebooks*

triste tentativa de adaptação do "tristezas não pagam dividas".

há pessoas que propagam a própria infelicidade de forma crónica. nunca nada, em qualquer coisa que façam, vivam, sintam, está bem. a infelicidade corre-lhes no sangue como um parasita e sentem uma imensa dificuldade em viver para além disso. acarinham até, às vezes, aquele parasita com carinho, numa espécie de compreensão pelo responsável pelas próprias dores.
há pessoas muito tristes:

a rapariga, gorducha, feiinha, casada aos vinte, com quatro filhos aos vinte e cinco, está desempregada desde que estudou. é o marido, balofo de álcool e gordura, cara imensa, que a mantém, e à prole, trabalhando fora do país, que em portugal não há dinheiro para um só manter cinco.
a rapariga entra numa espécie de depressão que alimenta no facebook com concentração. espeta em fotografia de perfil as trombas maquilhadas do dia de casamento e em destaque a fotografia da prole, os putos todos, alinhados, muito direitos.
todos os dias escreve qualquer coisa. que a vida é uma merda, que tem saudades do marido e que lhe apetece morrer. em cada comentário destes alguém vem, muito solicito, com palavras de amizade "pk coisa?" e "k s passa?"
todo um rol de queixas: que o país é feio, que o marido está longe, que tem de, sozinha, tomar conta de quatro crianças. assim, ali exposto no facebook para os quinhentos e dez amigos. para quê ler um drama ou ir ao cinema quando basta abrir o pc? 
a mulher prossegue, todos os dias é esta dor.
enfim, o marido volta a casa, depois de tanta queixa, tanta ânsia, tanta tristeza e decide levá-la com ele, juntamente com a criançada toda. respiramos de alivio. deixa de haver ameaças de morte, frases de tristeza e citações brasileiras de saudade. 
portanto, tudo está bem quando acaba bem, certo?
não. na última semana a senhora, cansada da rotina, dos dias claros, da ausência de comentários e atividade no facebook, decidiu retomar a ladainha: pois que agora tem saudades de casa, não gosta de onde está, que lá não se faz nada e quer voltar para portugal. sempre com as trombas de casamento e a prole alinhada em fotografia de fundo.
tudo assim, ali escrito, com muitos ks e pks e estados e imagens de nossa senhora de fátima. e toda a gente outra vez, a perguntar k se passa, k tem ela, k dores são aquelas, que o país não foge.
todos os dias. é ou não é bom?