quarta-feira, 7 de outubro de 2015

É possível a toda a gente tirar a carta. O verbo tirar tem demasiados significados.

2.ª aula - 27 de Novembro

Querido diário:

Hoje dei a 2ª (ou levei? Bom, é indiferente). Voltei a ter aquela impressão de que reencarnei o Galileu Galilei. Mal pus a viatura a trabalhar (e hoje fui eu!), e ela se moveu sozinha sem dar o coice que eu esperava, pensei: "E subitamente, ela moveu-se!".

Ainda passámos pelo parque deserto de ontem, que continuava deserto (até me ocorreu que as notícias correm mais rápido nuns locais da cidade do que noutros). Avistei ao longe um cão, a atravessar uma passadeira de peões, e pensei logo em treinar com aquele. Refiro-me, obviamente, ao treino de obstáculos na via. Mas já não fui a tempo, que ele era muito mais rápido do que a minha aceleração. Hoje já não esperei que o instrutor me dissesse quando havia de aumentar para 2ª, aumentava eu espontaneamente. Ele deve ter achado que eu estava barra no assunto e levou-me para um bairro muito giro, aqui ao pé do meu, do qual eu já tinha ouvido falar, mas nunca frequentara. "Very rural"! Fiquei tão impressionada com a paisagem, que assumi os velhos comandos de passageira e passei a contemplar as pessoas encostadas aos muros, a fumar e a conversar, sem terem nada para fazer, ao invés de tomar atenção ao trânsito. Quando dei por mim, estava parada atrás de um carro estacionado, à espera que ele avançasse. Mas correu bem, embora tenha tido que ultrapassá-lo.

A mim parece-me que esta é uma história que vai acabar bem. Há uma simbiose entre mim e o carro. De que tipo, não sei. Mas sinto que há.

Agora só volto a guiar na 3ª feira, dia 2. Faltam 5 dias, mal posso esperar!

Beijinhos
Blue

~

3.ª aula - 2 de Dezembro

Querido diário:

Nem sei por onde começar a descrever a minha lição de hoje. Acho que acordei com os pés tortos, e deu nisto. Durmo tão pouco e tão mal, que até na condução se reflecte. Estou farta de estudar que a fadiga e a sonolência são dois factores perturbadores da condução, que fazem aumentar o tempo de reacção - aumentar, eu disse bem -, e hoje percebi isso no terreno.

Saiu-me à sorte um carro que tinha que ser eu a embraiar, o que, neste momento, me parece a tarefa mais complicada de levar a cabo, mais ainda do que ler um mapa. O outro, onde andei a semana passada, foi para a oficina. Abstive-me de perguntar porquê, não fosse o instrutor ser sincero comigo. Eu já paguei a carta, não pago mais nada.

Aquela troca de pés entre o pé-a-fundo-na-embraiagem-cheiro-de-acelerador-tira-o-pé-aos-poucos-da-embraiagem-acelera-põe-o-pé-outra-vez-na-embraiagem-tira-o-outro-do-acelerador-mete-a-segunda-tira-o-pé-da-embraiagem-acelera, ai!, mais depressa aprendia o cha-cha-cha ou a rumba quadrada. Como a embraiagem ficou responsabilidade minha, por três vezes meti um "prego" e aquilo roncou alto como um porco. Perguntei, revoltada: "Mas o que é que este tem?", e o instrutor respondeu-me: "Não entrou a mudança.". Aparentemente, fazer "entrar a mudança" é qualquer coisa de muito extraordinário, que eu tenho que aprender rapidamente, mas para a qual ainda não me sinto preparada.

Ele hoje estava inconsciente: fizemos o percurso escola -Colégio Planalto - Av. Padre Cruz - Campo Grande - Av. Brasil - Pote d'Água - Igreja de S. João de Brito - Av. Igreja - Campo Grande - Alameda Linhas de Torres - Sporting - escola. Numa das curvas, apitaram-me. Noutra, apitei eu, inadvertidamente. Outro dia liguei o limpa para-brisas, também sem querer, num dia claro de sol. O problema é que gargalho. São nervos. Ele, não gargalha. Apesar dos nervos.

Mandou-me estacionar junto ao passeio e eu enfiei uma roda na sarjeta. Como se fosse eu que tivesse escavado ali o buraco de propósito, fuzilou-me com os olhos, crucificando-me por palavras: "Isto hoje não correu nada bem". Mas eu defendi-me: "Também, leva-me para aqueles lugares cheios de carros..."

Quinta-feira volto. Até lá, descanso. Conduzir é esgotante, preciso de férias.

Adeus.
Blue


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