quinta-feira, 28 de maio de 2015

Na linha de Sintra cheira a rosas

Por Filipa Brás






Já muito se dissertou sobre o cheiro que paira nos comboios da linha de Sintra. Livros, obras literárias imensas, palestras, conferências esgotadas, eu sei, mas vai mesmo ter de ser. 
Não falo do cheiro do comboio das 17h. Nesse horário cheira a funcionário público e horas frescas. Se a preguiça tivesse cheiro, cheirava ao comboio das cinco. Cheira a fato e a gravata, cheira a má vontade e enfado. Cheira a mulheres feias e a perfume de marca. O ar é límpido com uma breve brisa a Margaridas acabadas de colher, as viagens correm mansas no comboio das cinco.
Falo do cheiro do comboio das 19h, o comboio do povo, o comboio de quem acha que tem mais direitos, o comboio do salve-se quem puder, e quando dá ao povo para feder, o povo fede.
Uma pessoa sai do comboio das 19h com as defesas em baixo e o sistema imunológico a dar de si. No comboio das sete, cheira a lama e a lagos de água parada e isto sou eu a falar, que além de simpática sou uma romântica. Cheira a quem poupa água, cheira a cansaço e a cuecas sujas. Cheira a peúgas rijas do chulé, a refogado velho e a etar descoberta.
E deve ser devido a estes cheiros em permanente ebulição que o cérebro destas pessoas mingua, faz com que regridam no tempo e de repente estamos todos na selva. Esta é a sub-fauna que nos calou na rifa, sobretudo na de quem está no meio errado.
As pessoas tossem sem colocar a mão à frente. As pessoas cospem-se, passam por cima das que estão sentadas, levam sacos, malas, levam o que houver à frente, não há cá distinções, se é para rebentar, que se rebente com esta merda toda. Passam com as rodas das malas de viagem por cima dos pés dos outros, quando o comboio pára, os bichos não olham a meios para sair, já se sabe como ficam os animais quando estão enjaulados. Acham que se não correrem desenfreados alguém lhes vai vedar a saída e vão acabar os seus dias numa carruagem feia e escura. Estou cá desconfiada que se tiverem de matar para conseguirem sair na estação que pretendem, não se fazem rogados, vai tudo a eito. Quando entram no comboio, a única diferença é o sentido, de resto, vale tudo por um lugar sentado. O povo está cansado. E cansa, como o povo cansa.
Ontem fui pisada, esmigalhada, cuspida, empurrada, puxada, passaram-me por cima, fui agarrada e, ou foi impressão minha ou ainda levei um ou dois calduços. 
Já fui funcionária pública e todos os dias vinha no comboio das cinco.

Era bastante feliz nessa altura. Só que não sabia.




22 comentários:

  1. e um apalpaão rabo, ou uma mão num seio não?

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Nop.
      Mas eu já estava um bocado dormente, de tanta porrada que levei, já não digo nada...

      Eliminar
  2. E olhem se não fosse simpática e romântica.
    É que nem quero imaginar!

    ResponderEliminar
  3. Excelente cara Filipa, excelente!
    Beijoca!

    ResponderEliminar
  4. Gostámos bastante de conhecer este projecto, por via da Maria das Palavras! Adorámos, para bem dizer. Vamos mesmo 'ficar de olho' nisto... Votos dos maiores sucessos, pois merecem...

    E quanto à viagem dos cheiros pelo comboio de Sintra: Aqui a Ela tem anosmia, e não sente olfacto. Ainda assim, sem a analogia propriamente dita, o que se sente é semelhante nos comboios da linha da Azambuja...

    www.elaeele-nos.blogspot.com - O blogue de um casal!

    ResponderEliminar
  5. Eu não conseguiria romancear a história desta forma. Muito bom, Filipa!

    ResponderEliminar
  6. Aahahahaha muito bom, e não seres toda apalpada já foi uma sorte :)

    ResponderEliminar
  7. Que quadro deprimente...
    Não há gajas boas a ir e vir de Sintra, onde se possa lavar a vista?

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Claro que sim, esteve implícito em todo o texto: eu.

      Eliminar
    2. Calma... há mitras de boa estrutura óssea, com as duas personalidades superiores bem firmes, pouca adiposidade na personalidade traseir e que são um autêntico colírio, caso mantenham o silêncio.

      Só te falta a água benta, Pipinha...

      Eliminar
    3. O que tu queres sei eu, pá.

      Eliminar
    4. Óptimo. Mas não te esqueças que devem estar bem fresquinhas,ok?

      Eliminar
    5. Já dei instruções à Margarida, depois mando a conta.

      Eliminar
    6. A Margarida não recebe instruções de mitras.

      Eliminar
    7. Ouviste, mitra? Afinal és tu quem me vai trazer as fresquinhas.
      E vê lá se te despachas, que eu tenho mais que fazer.

      Eliminar
    8. Se ela for com as sandálias novas, sempre a olhar para o dedinho do pé que não aparece, estás tramado! Chegam lá quentes!

      Eliminar
    9. Neste momento, o vosso índice de utilidade é zero. Pensem e reflitam...

      Eliminar
    10. É o que sempre lhe digo: és mesmo inútil!
      enfim.

      Eliminar
  8. Tu não tens um bólide? Que horrorrrrrrrr.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Tenho, mas para a Expo além de mais rápido, é menos stressante.
      pensava eu, claro.

      Eliminar