Pronto, tinha várias ideias em mente, que é o que me acontece quando não tenho nenhuma. Perguntei o que é que preferiam que eu fizesse, se o pino contra a parede ou uma lição de Origami — tudo coisas que não sei fazer, mas aprendia só para vózês —, se um tutorial youtuber sobre como tirar nódoas de um vestido verde — em vários episódios, sendo que, no último, as p. das nódoas não saem, mas ele fica com um fedor bom, ai, desculpem o spoiler, ou lá como é que se diz, e também o mau jeito —, ou ainda se queriam que eu falasse da minha vasta experiência em enfrentar lagos de chichi e montanhas de cocó, apostos em todo e qualquer material que possuamos em casa, ou, em alternativa, vomitado. É que eduquei uma pessoa, de entre as várias que coloquei em o vosso planeta, que regurgitava com uma tal avassaladora frequência e em inóspitos recantos da casa afora e fora dela, que me forneceu, quase à bruta, um workshop subordinado ao tema Apanha o vomitado antes que escorregues nele e faças um traumatismo cranio-encefálico mal-cheiroso que nenhum médico giro vai querer tratar, ainda que de work lhe tenha conhecido todas as vertentes, mas de shop nem uma, a menos que consideremos a quantidade de detergentes que cada aventura gástrica das que vivi me fez despender, embora não as tenha vivido na primeira pessoa, porque até isso me foi vedado, tendo sido a protagonista outra, e eu relegada para segundo plano, ou actriz secundária, e só podendo aspirar (de aspirador em riste) ao papel principal caso se desse um turn around na porcaria da situação de porcaria, e o filme fosse titulado mais ao menos ao nível de Que bela empregada doméstica que me saiu na rifa.
Também posso relatar o número de vezes que uma das gatas marcou território nas paredes, nos objectos, debaixo de camas e armários e — épico — na árvore de Natal, com espirros e jorros para os embrulhos. Do mesmo modo, tenho conhecimentos vastos, porém profundos, ao nível do extermínio de piolhos, que há-de ser o único animal a que retiro a vida, e logo em série, e pelo qual terei que prestar contas no juízo final, se ainda me sobrar algum.
Por acaso, não foi bem assim, mas lembro-me de ter perguntado se queriam que falasse de algum tema em especial, daquele vasto universo que eu domino, qual deusa da conversa da treta. Ninguém me respondeu, agora amuei, dói-me a barriga, já não brinco, vou dizer à minha mãe e vou falar do que me apetecer. Isto era só um introito, seja lá o que isso for.
Eu tirei a carta de condução. Fiz 69 aulas práticas, por contingências que não vale a pena relatar assim, de chofre, mas tirei-a (ou arranquei-a?). E aqui vos deixo o diário da primeira aula. Se, por qualquer motivo ao qual sou alheia, quiserem ler as 68 que faltam para o desenlace, é pedirem com jeitinho, que eu vou pensar, e depois dou-vos uma resposta com mais calma.
~
1.ª Aula —
26 de Novembro
Querido diário:
Hoje guiei. Nem
acredito, guiei um carro! Aquilo é exactamente como eu sonhava. Tão giro,
parece um filme a passar à nossa frente — em 3 D, ou, se quiser ser rigorosa, em 4 D —, mas com as imagens
a correr muito depressa. No fundo, hoje foi a minha entrada na quinta dimensão.
Comecei por me
dirigir à porta do passageiro, por uma questão de hábito. Este é, de todos, o
primeiro a perder. Preciso de fazer uma mnemónica — lado do volante => minha porta. Mal entrei no carro, tentei pôr o cinto de segurança. A
minha ideia era dar à chave, meter o pé no acelerador (que eu nem sabia qual
dos três pedais era, mas ia por tentativas), e sair pela cidade, em passeio. O
instrutor deve ter suspeitado das minhas intenções, porque me disse logo que
tinha que me dar “umas instruçõezinhas” primeiro. Deu-me uma verdadeira aula
teórica, da qual eu só ouvi metade, porque continuava a sonhar em sair dali o
mais depressa possível. Até que, finalmente, ele destravou o carro e começou a
viagem mais delirante de toda a minha vida.
O bairro estava
particularmente calmo, e nem sequer era de madrugada. Acho que fiz tudo bem
feito, sorri para todos os automobilistas que se cruzaram comigo (numa de
"andamos todos ao mesmo") e não apitei a nenhum. De resto, o
instrutor nem me disse onde ficava a buzina. Levou-me para uma zona
completamente deserta, ao pé do Carrefour, mas que tem montanhas de
passadeiras, cruzamentos, curvas, subidas e descidas. Não tem é pessoas, nem
cães, para eu ir treinando.
A certa altura,
achou que eu já estava apta para experimentar os pedais -até ali, tinha ido só
com o volante, e eram os pés dele que os dominavam. Disse-me uma graça que, se
calhar, diz a todos os alunos: que são três pedais e só dois pés, daí a
dificuldade. Mas eu cá multipliquei logo aquilo e concluí que, se cada pé pode
ir aos três pedais (numa dança louca por baixo do volante), há, pelo menos,
cinco possibilidades a considerar, só com os pés. Também acho que o pedal da
embraiagem devia estar à direita e o acelerador à esquerda: como dextra que
sou, tal como a maioria da população, canso imenso a perna esquerda a enterrar
o pé na embraiagem. Por outro lado, a perna direita é tão pesada, que ele
passou a aula toda a dizer "Ó ai, ó Linda, ó ai, ó Linda, não acelere
tanto!". Foi para aí o momento mais erótico da aula toda.
Amanhã é outro dia.
Tenho outra lição, e agora o meu objectivo é fazer entender ao meu instrutor
que tem que ganhar confiança em mim.
Beijinhos
Blue
Oh... vá lá... conta as outras 68 aulas... por favor...
ResponderEliminar(Já chega?)
Aula nº2, pleaseeeeeeee!
ResponderEliminarMuito bem. Há uma ribombante maioria de comentários clamando pelas 68 aulas que faltam.
ResponderEliminar:D
Obrigada, meninas.