quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Serviço público

Por Gajo Porreiro




O parque estava estranhamente vazio, para um domingo à tarde. Um grupo de miúdos improvisava um Benfica-Sporting e a passarada bicava migalhas de pão, atiradas ao ar por uma senhora que ia tricotando enquanto vigiava os netos.

- Quando era puto, chegámos a fazer aqui campeonatos entre ruas. – disse José, ao mesmo tempo que o “Benfica” marcava um golo – Fazíamos equipas de dez jogadores, mudávamos de campo aos três e acabava aos seis. Era canelada de meia-noite, só te digo. E não havia cá foras-de-jogo, ó caraças. Atacavam e defendiam todos. Depois íamos para casa, sujos e cheios de nódoas negras. Quais playstations, qual caraças…

Tobias não ligava muito à bola, mas ficou ali com o amigo durante uns minutos, talvez à espera do 2-0.

- Aquele baixinho faz-se, não achas? Sacana do puto, finta bem e corre que nunca mais acaba. Faz lembrar o Chalana.
Bem, vamos mas é andando, que isto ainda é capaz de chover.

Junto ao portão de saída, aparece um cão a correr atrás de uma bola e Tobias, assustado, encosta-se a José ao mesmo tempo que dirige uns impropérios ao animal. José sabia que o amigo não se sentia à vontade com cães, por muito sossegados que fossem. Talvez tivesse sofrido um trauma na infância do qual nunca recuperou, sabe-se lá.

- Ó amigo, prenda lá o cão, se faz favor! - e olhando para Tobias: - E tu tem calma, pá…

O dono, homem na casa dos trinta anos, acompanhado pela mulher, chama o cão com dois assobios, sem resultado. A ansiedade de Tobias aumenta a cada segundo, e, perante a passividade do homem, José insiste: - “Mas você prende ou cão ou quê?”

- Não se preocupem, que ele não faz mal. – assobia outra vez e o cão volta a ignorá-lo, continuando a correr e a ladrar.

- Ouça, não sei se ele faz mal ou não, mas sei que devia andar à trela e não solto. E pela terceira vez, prenda o cão, se faz favor! 

- Tenha lá calma, homem…  se eu não o prender o que é que você faz? Bate-me, quer ver?

José levou o nervoso Tobias até ao banco de jardim mais próximo e pôs-lhe a mão sobre o ombro: - Ficas aí sossegado que eu vou tratar do assunto, ok? Tem calma e não saias daqui.

Arrancou em direcção ao outro, em passo acelerado, e, depois de alguns segundos de esbracejos e troca de pontos de vista, o dono do cão sentou-se ali mesmo no meio do chão, provavelmente a pensar que era melhor começar a usar a trela, como aliás, manda a lei. Sempre disposto a ajudar, José foi buscar o cão e levou-o à dona, visto que o dono se mantinha quieto e pensativo.

Voltou ao banco onde tinha deixado Tobias, libertou-o do apoio de ferro onde lhe tinha prendido a trela e retomaram o caminho.

- Quando nos calhavam os ciganos que moravam no bairro que havia ali em cima é que era tramado. Às vezes nem se chegava a começar o jogo. Belos tempos, aqueles…

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