domingo, 4 de junho de 2017

Epístola ao Político Desconhecido


Prezado Amigo,

Com o carinho que o morcego reserva ao mamífero sua vítima, venho pela presente felicitá-lo pela sua candidatura, que me merece o maior apreço e consideração, sem a qual sentiria inevitavelmente o desvario próprio do homem perdido em suas lucubrações.

Louvo vossência, inaudito é certo, por amparar os meus mais exacerbados receios, nesta nova era de lusco-fusco.

Não porque acredite que tenha uma ideologia, a sagacidade ou a iniciativa para colocá-la em prática. Nem porque se me afigure tratar-se de um bem-intencionado pragmático.

Não porque creia que o meu amigo vá alguma vez cumprir as promessas lavradas nas feiras da demagogia com o auxílio do factótum que tem a exclusividade do seu ouvido, cuja alma foi vendida, e logo comprada por gente sombria, por pouco mais que uns parcos tostões. Um, dos tantos, bufarinheiros da Pátria.

Não porque acredite que o meu caro amigo seja algo mais que um títere sem carácter, destramente manuseado por mestres, velhos como o tempo, alérgicos a todo e qualquer princípio moral.

Não porque em momento algum tenha sequer remotamente duvidado que olhará bem por si próprio, cartão num bolso do casaco entalhado "A Pátria", a fogo dos cascos daquele que ocupa o círculo gelado do inferno, reservado aos traidores, e, no outro, "O Povo", insignes conceitos em língua tão rápida no estrépito quanto cega em vassalagem de uma consciência que mais não pode fazer que sorrir, na clandestinidade reservada aos répteis e no sadismo da facilidade pérfida com que ilude os mansos.

Não, meu bom amigo, não é por qualquer destes motivos que voto em si.

Voto em si porque me parece ser o único capaz de nos salvar a todos do delírio sociopata dos seus adversários.

O chauvinista racista, xenófobo e homofóbico de extrema direita.

O lunático de extrema esquerda que não acredita na propriedade privada e sonha com um mundo sem patrões, repleto de funcionários públicos já sem ninguém a quem servir, cantando em torno da fogueira sem pensar no amanhã (embora tenha hipocritamente enviado a filha para a ivy league do grande Satã), tecendo vergonhosos encómios aos camaradas da Coreia do Norte enquanto uma súcia de fanáticos, ou surdos, aplaude selvaticamente. Essa gente do braço do ar na toada “até à vitória final”, qualquer que ela seja.

Mais lhe agradeço por nos salvar dos terrores da sharia e da insanidade que impede tantos maníacos de compreender o propósito da laicidade do Estado e o imperativo moral de respeitar o direito ao livre pensamento do próximo.

Muito obrigado por ser um corrupto sem escrúpulos.
Há gente muito pior.

A Pátria honrai, meu estimado amigo, pois a Pátria irá certamente contemplá-lo.

Deste sempre seu, com admiração e afecto.


3 comentários:

  1. Respostas
    1. Temos de reunir os camaradas e arrancar com isto novamente, mesmo que com posts esporádicos.

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    2. Eu também achava que sim, que era uma bela ideia.

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