Coby Whitmore |
Haverá
vida depois de uma traição?
A
questão não é trivial, básica ou mesmo inconclusiva. Atinge uma enorme quantidade
de gente que se vê de súbito sem chão e sem tecto, suspensa da surpresa de se
sentir o outro ou a outra quando sempre acreditou que era a
origem e o fim de todas as emoções que povoavam o coração que agora se descobre
ser infiel.
Não
é fácil lidarmos com o facto de percebermos que a metamorfose que se opera em
nós é o inverso da das borboletas. De um fabuloso insecto alado e colorido,
embainhamos a alma e passamos ao estado de casulo. Mas não é impossível
enfrentarmos o facto de, nesse casulo, a membrana que nos separa do exterior
correr risco de ruptura, perfurada pelos aguçados chifres mafarricos que
ostentamos na testa metafórica.
É
evidente que a Gaffe já foi traída. Na altura, ficou afásica e posteriormente
catatónica. Recolheu-se na cela da sua mais profunda desilusão e decidiu que
jamais voltaria a acreditar em quem quer que fosse, sobretudo se o quem
quer que fosse tivesse
barba e outros atributos mais esconsos, dignos de fazer perder a transmontana a
uma rapariga mais incauta.
Neste
estado, acabou por evitar a todo o custo aproximações mais ou menos subtis de
promessas interessantes e credíveis.
Voltar
a acreditar é como beber um café que ficou frio. Jamais terá o sabor do
Expresso acabado de servir, mesmo que esse Expresso seja o da meia-noite. Ficamos
sempre com a sensação de que nele foi cometido um crime e que o cadáver se
transformou em borra no fundo da chávena.
Sair
deste estado de letargia emocional leva algum tempo, mas há sintomas de
progressos que não devemos ignorar e que não passam pelas tradicionais fases
descritas nos manuais da especialidade.
A
Gaffe detectou que começar a observar com algum gelo o exterior da rival é um
belíssimo sintoma. Se o interior da dita fosse objecto da sua atenção,
significaria que a procissão ainda estaria no adro e o sacristão sem badalo.
A
capacidade de olharmos os detalhes e os pormenores mais imbecis de quem foi
causa directa da nossa perda é caminho feito para a consumação do fim da mágoa
de nos sentirmos traídas. Se Deus está nos pormenores, a indiferença também.
Talvez por isso tenhamos a sensação que as duas entidades muitas vezes se confundem.
A
Gaffe acabou de ver passar a rapariga por quem foi trocada.
Não
entrou em coma, não foi desenfreada lacrimejar para uma esquina da vida, nem
sequer lhe saltou à memória os momentos de enlevo romântico que o traidor lhe
entregou um dia.
A
Gaffe olhou para a carteira da ladra e pensou que preferia usar um saco de
colostomia e descobriu de imediato que é apenas no amor que é permitido roubar.
Sorriu e fez esvoaçar os caracóis ruivos.
É isso Gaffe! É que é mesmo isso!
ResponderEliminarSó se é livre, a alma só será libertada quando isso for compreendido, "que é apenas no amor que é permitido roubar"
Porque o oposto do amor não é o ódio, é a indiferença.
Um BF...Não não! Um bom fim-de-semana!
"O oposto do amor não é o ódio, é a indiferença."
EliminarVejo que me segue com alguma assiduidade.
:)
Fico muito orgulhosa.
Mil perdões se lhe dá uso, mademoiselle de Savignac. Conhecia o pensamento de há muito, sem que, contudo, a constatação de que o não desconheça, minimamente me surpreenda.
EliminarAlguma assiduidade sim! Desde que criei o meu blog tive o cuidado de seguir aqueles onde a educação, humor e bom-gosto imperam.
É meu privilégio.
Um excelente fim-de-semana