sexta-feira, 29 de maio de 2015

Pupas e borboletas

Por Gaffe

Coby Whitmore
Haverá vida depois de uma traição?
A questão não é trivial, básica ou mesmo inconclusiva. Atinge uma enorme quantidade de gente que se vê de súbito sem chão e sem tecto, suspensa da surpresa de se sentir o outro ou a outra quando sempre acreditou que era a origem e o fim de todas as emoções que povoavam o coração que agora se descobre ser infiel.
Não é fácil lidarmos com o facto de percebermos que a metamorfose que se opera em nós é o inverso da das borboletas. De um fabuloso insecto alado e colorido, embainhamos a alma e passamos ao estado de casulo. Mas não é impossível enfrentarmos o facto de, nesse casulo, a membrana que nos separa do exterior correr risco de ruptura, perfurada pelos aguçados chifres mafarricos que ostentamos na testa metafórica.
É evidente que a Gaffe já foi traída. Na altura, ficou afásica e posteriormente catatónica. Recolheu-se na cela da sua mais profunda desilusão e decidiu que jamais voltaria a acreditar em quem quer que fosse, sobretudo se o quem quer que fosse tivesse barba e outros atributos mais esconsos, dignos de fazer perder a transmontana a uma rapariga mais incauta.
Neste estado, acabou por evitar a todo o custo aproximações mais ou menos subtis de promessas interessantes e credíveis.
Voltar a acreditar é como beber um café que ficou frio. Jamais terá o sabor do Expresso acabado de servir, mesmo que esse Expresso seja o da meia-noite. Ficamos sempre com a sensação de que nele foi cometido um crime e que o cadáver se transformou em borra no fundo da chávena.     
Sair deste estado de letargia emocional leva algum tempo, mas há sintomas de progressos que não devemos ignorar e que não passam pelas tradicionais fases descritas nos manuais da especialidade.
A Gaffe detectou que começar a observar com algum gelo o exterior da rival é um belíssimo sintoma. Se o interior da dita fosse objecto da sua atenção, significaria que a procissão ainda estaria no adro e o sacristão sem badalo.
A capacidade de olharmos os detalhes e os pormenores mais imbecis de quem foi causa directa da nossa perda é caminho feito para a consumação do fim da mágoa de nos sentirmos traídas. Se Deus está nos pormenores, a indiferença também. Talvez por isso tenhamos a sensação que as duas entidades muitas vezes se confundem. 
A Gaffe acabou de ver passar a rapariga por quem foi trocada.
Não entrou em coma, não foi desenfreada lacrimejar para uma esquina da vida, nem sequer lhe saltou à memória os momentos de enlevo romântico que o traidor lhe entregou um dia.
A Gaffe olhou para a carteira da ladra e pensou que preferia usar um saco de colostomia e descobriu de imediato que é apenas no amor que é permitido roubar. 
Sorriu e fez esvoaçar os caracóis ruivos. 

3 comentários:

  1. É isso Gaffe! É que é mesmo isso!
    Só se é livre, a alma só será libertada quando isso for compreendido, "que é apenas no amor que é permitido roubar"
    Porque o oposto do amor não é o ódio, é a indiferença.
    Um BF...Não não! Um bom fim-de-semana!

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    1. "O oposto do amor não é o ódio, é a indiferença."
      Vejo que me segue com alguma assiduidade.
      :)
      Fico muito orgulhosa.

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    2. Mil perdões se lhe dá uso, mademoiselle de Savignac. Conhecia o pensamento de há muito, sem que, contudo, a constatação de que o não desconheça, minimamente me surpreenda.
      Alguma assiduidade sim! Desde que criei o meu blog tive o cuidado de seguir aqueles onde a educação, humor e bom-gosto imperam.
      É meu privilégio.
      Um excelente fim-de-semana

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