terça-feira, 19 de maio de 2015

A Escola de Pregões








— Altesaaaaaaaaaaa!

O Infante estacou, abruptamente, à beira do promontório, braço periclitante no ar, perna direita esticada, esquerda em ângulo, qual ave flamingo, descrita nas crónicas, chapéu de abas largas na mão, metade do corpo ainda em terra, a outra, quase a voar.

A voar. Mommy Philippa obrigara-o a trazê-lo para Sagres, because of your fair skin, my dear. Mas Mommy não fazia any idea que Sagres é windy que dói, e o Infante mal punha o real sapato na rua, desatava a correr que nem um galináceo, atrás do sombreiro feito roda eólica, antes que ele planasse pelas arribas, e se fosse acamar junto aos percebes, que ele tanto apreciava, mas era no prato.

— Altesaaaaaaaaaaa! Os alunos aguardam Vossa presença para começar!

A voz fanhosa de Paio da Covilhã, seu aio em forma de odre, chamava-o para as proclamações, a hora em que alunos da escola liam seus pregões ou cantavam suas trovas, enquanto, outros, os ouvintes, ingeriam milho tufado às mãos cheias. Paio da Covilhã, que era arguto como um pintassilgo, havia notado que os alunos se dividiam entre os que besuntavam o milho com mel, adocicando-o, e outros que o polvilhavam com sal pulverizado, que ia bem com as bebidas de matar a bicheza das vísceras, logo pela manhã. Bom negócio faziam os alambiqueiros dos aldeões que também abasteciam o Bispo, o da Vila. Tomou nota, Paio, para referência futura.

Começada a leitura dos pregões, os alunos seguiam os seus jograis preferidos para os cantos da grande sala de instrução. Feras rivalidades se geravam entre os jograis, para levarem consigo o maior número de ouvintes. Vozearia e aplausos assinalavam o apreço pelas obras dos proclamadores, encómios, risadas, dislates, uma festa, no fim de cada pregão. Por vezes, num intervalo de silêncio da sala, ouvia-se uma voz anónima:

— Ò Evaristo, tens cá disto?

Fernão Evaristo espevitava a sua tonsurada cabeça, mas nunca chegou a descobrir o autor do desaforo — menos ainda perceber o que lhe faltaria.

As guerras entre fações rivais resultavam bastas vezes em batalhas de milhos, que voavam pela sala, e terminavam em lendária mixordice: alunos encobertos de mel, outros enrolados em sal, milho tufado pelo chão, e o Infante, a sacudir os detritos que haviam aterrado nas vastas abas do chapéu, tranquilo como um esquilo.

Na escola de Sagres, na hora do pregão, a do milho tufado, às nove sem falta, os navegantes aprendiam a arte de bem proclamar as suas trovas. Pois que mais haveria com que ocupar  longos meses a bordo, enquanto buscavam novos mundos para dar ao mundo, e sem suas damas, que ficavam no doce e casto recato do lar? A ideia tinha-a tido o Infante, que se lembrava de jogar ao pregões com os ínclitos irmãos e o Earl of Chelsea, o preceptor que havia vindo dos Reino de Inglaterra com Lady Philippa of Lancaster, aka as Mommy. E ao ver o entusiasmo dos alunos da escola, enquanto proclamando se atafulhavam de milho tufado, sonhava o Infante: «Um dia, cantando, se apregoará por toda a parte, se a tanto ajudar o engenho e a arte!.»

Faltava era um nome para esta nobre arte dos pregões. Magicava o Infante na questão, quando Paio da  Covilhã anunciou lá do fundo da sala, na sua voz de cana rachada, insuflada pelo ventre de barril:

— Altesaaaaaaaaaaa! Recebestes uma missiva do Earl of Chelsea!

Foi o berro de Paio da Covilhã que fez acender um candelabro na cabeça do Infante. Era isso mesmo! Já sabia agora que nome dar à nobre arte do pregão que, levado nas caravelas portuguesas, se espalharia, um dia, por todas as terras conhecidas e a descobrir, de aquém e além mar, a herança imortal daquela escola. Ia homenagear o seu próprio mestre-escola, seu ilustre preceptor, o Earl of Chelsea, de seu nome, Sir John. Sir John Blog.




Post gentilmente escrito por Xilre




4 comentários:

  1. Obrigado a ambos! :)

    E até mesmo a ficção mais desbragada tem, normalmente, uma pontinha (não de Sagres) de realidade — por muito minorca que seja. Por aqui, também não é exceção.

    ResponderEliminar
  2. Agora é que vai ser a vingança do chinês: tudo a comentar o post do Xilre!!!!!!!!!! Bora lá malta!!!!!! É aproveitar!!! ;)

    ResponderEliminar