terça-feira, 23 de junho de 2015

arbiter elegantiarum.

Por Onónimo Quiescente

http://www.osmais.com/wallpapers/201308/natureza-praia-bote-wallpaper.jpg
um sítio assim



~ Ah, as Psiquiatras. Bem te avisei. ~

De facto. Mas será difícil sair daqui e regressar apenas no outono…


«Não. Iria estragar o momento.»


“Música?”

«Hmm? É perfeitamente adequado ao clima e ao humor.»


O Ó aplaude, estridente nos meus pobres ouvidos, raios o partam. “Fazemos outra coisa?”

«Pfff. Só pelo entretenimento meio absorto. Ou para ensinar às crianças o significado da existência de regras. Em que planície, nobres ou plebeus, enfrentamos o nosso adversário com igual exército e seguindo as mesmas regras?»

«Ah, Q., a maior parte das ocasiões nem sequer sabemos quem é o adversário até ao último momento. E a tua aversão ao excesso de formalismo devia recordar-te que seguir regras é a maneira mais rápida de ser devorado.»


“Pelo pensamento estratégico?”

Volta o olhar melancólico para o horizonte. «Aprendi xadrez com a minha Mãe.»
Não falamos durante um momento.
«Magnífico tirocínio para a mente jovem. E para tardes de poesia na arcádia.»

“Almoçamos há pouco. Corpo e mente ainda lânguidos. Nada melhor que Gin e Xadrez.”

Esboço de um sorriso divertido, parcialmente escondido pelos óculos. Observo-me em ténue reflexo. É estranho.
«Sinceramente Q., preferia estar na água.»


“E., por favor não me deixes vencer novamente. Há uma certa dignidade nonchalant em dar o nosso melhor e ainda assim ser derrotado por um intelecto superior.”

~
Duas espreguiçadeiras na pequena plataforma sobre a paliçada. 
Brisa indolente à sombra de palmeiras. O roçagar de água em areia. 
Uma mesa de madeira. Duas bebidas geladas, talvez white lady. Não presto atenção.
Ela contempla o horizonte distante. 
Eu contemplo outro horizonte.
Ela sente-o e não reage, provocação implícita na atitude.
Organizo as peças sobre o tabuleiro de viagem, reservado, pela fotografia mais recente. 
Desconfio secretamente que Ela recorda sempre todas as posições.
Talvez evite o paternalismo por pudor. 
Começa assim…


(ae #1.1, Gin & Xadrez)



5 comentários:

  1. Fujo de sítios assim há anos, desde que eles existem para mim.
    Seria uma ida sem regresso.
    Rum, cacau, café, tabaco, areia branca e mar azul... nem sequer penduro posters ou vejo fotografias que tal me lembrem.
    Este post devia vir na categoria de "coisas intocáveis".

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    1. :DDDDD
      É verdade. A terrível sensação de urgência em voltar e não regressar.
      Ah, a suave indolência, a anulação da percepção do tempo...
      Abraço!

      (fui perverso com os colegas, o post lê-se em sentido inverso, parágrafo a parágrafo)

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  2. Andei aqui num grande dilema de digo ou não digo, mas agora que já tem uns posts acima destes já posso dizer.
    Quando cheguei ao "Começa assim..." comecei a ler o post de baixo para cima e depois de cima para baixo e novamente de baixo para cima. E fiquei a pensar qual era a versão que gostava mais. Não o fiz por ser de um intelecto fabuloso mas porque sempre gostei de histórias, e elas começam com "Era uma vez...", "Conta-se...", "Diz-se...", "Ora aqui vai..." e "Começa assim..." e fiz do fim o início e por aí afora.

    Mas essas também são memórias intocáveis como praias de areia branca de azuis eternos, que nasceram da imortal juventude de nos sermos.

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    1. Apesar de memórias antigas, o que quer que escreva está sempre afectivamente resguardado.
      Por favor não tenha qualquer problema em comentar, criticar, interpretar, ironizar. A caixa de comentários está aberta para isso mesmo.
      Aquilo que é escrito é sempre reconstruído por cada leitor de acordo com a sua própria mundividência.
      Agradeço, e fico bastante satisfeito pela interpretação.
      Abraço!

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  3. Obrigado :)
    Gostei de "mundividência" também.

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