quarta-feira, 29 de julho de 2015

Cachupa

Por Uva Passa


Ontem, depois de um dia cansativo no trabalho, juntei-me a uma malta para jantar.
Cachupa.
Um grande grupo de pessoas, os comensais, reuniram-se à volta de uma mesa demasiado apertada para tanto corpo bronzeado e dilatado pelo sol, encolhendo-se na medida do possível, para  dar passagem  a uma nêga muito gorda que roçava o nalguedo contra as cadeiras para ajeitar as 14 travessas de Cachupa que foram tomando os seus lugares à mesa, na proporção de uma travessa para dois.
Antes disso, cá fora, contei-as eu, cada um dos 28 convidados bebericaram sem grandes dificuldades - naquela azáfama barulhenta muito própria dos amigos quando se juntam -,  uma média de 3 cervejas engarrafadas e, à vez, que o espaço e o calor não permitiam grandes ajuntamentos no interior do estabelecimento, entravam e saiam sem complexos, numa valsa que fazia lembrar um carreiro de formigas num dia repleto de afazeres, para penicar um queijinho de Nisa que fedorava em grandes quantidades espalhado pelas mesas, ou então para provar uma grande rodela de morcela de arroz que jazia muito luzidia num prato central ligeiramente elevado.

Ao final de meia hora, se tanto, todas as facas estavam besuntadas de manteiga, o queijo ninguém suspeitaria que tivesse sequer existido - não fossem os palitos espalhado aqui e ali -, e a gordura da morcela fazia estradas no prato denunciando a passagem de alguma côdea, ou mesmo várias.
Vieram para a mesa, embrulhados em guardanapos de papel, 12 jarros de sangria preta.
Alguns beberam ainda uma ultima saideira de cerveja por causa do calor, obviamente, e a nêga começou a dança da Cachupa.
Rapidamente os narizes (e os telemóveis) se debruçaram sobre as travessas balofas, e enquanto o diabo esfregou um olho, perplexo, a Cachupa já era, a segunda rodada de sangria já era, os cestos de pão em cagulo já tinham sido, e agora, cada vez mais dilatados, os corpos famintos bramiam já os pedidos para a estocada final: o doce de coco ou doce de lima, o diabo não conseguiu escolher, para acabar em beleza o maravilhoso repasto.
E a nêga, sempre rebolando o nalguedo, suando em bica, distribuía com braços roliços de cozinheira as taças de doces como quem distribuí as cartas do jogo.
Um lambedoiro.
Foram pedidas colheres em dobro para que todos pudessem participar na degustação das sobremesas, sobrecervejas, sobrequeijos, sobremorcelas, sobrecachupas, sobresangrias que a nêga confeccionara.
E veio o bolo de banana. Gigante, castanho, onde cabiam dois nomes em massapan.
Zé e Tiago.
E cantaram-se os parabéns.
Duas vezes.
E comeu-se uma fatia de bolo.
Duas vezes.
E no fim daquilo tudo, disse-me uma mulher que ainda alapava o rabo numa cadeira do fundo da mesa, escorripichando uma réstia de sangria:
- Estou um bocadinho mal disposta. Acho que a Cachupa me fez mal. E olha que só comi um bocadinho.

Espelho meu, espelho meu...

3 comentários:

  1. Está tão bem descrito que consigo visualizar a cena ao pormenor!

    (Tenho uma amiga que sofre de anorexia e que passava dias inteiros apenas com uma maçã no estômago. Numa passagem de ano, aquelas na adolescência em que todos os disparates são permitidos, depois de muitos excessos ao nível do álcool, a "cachopa" resolve comer uma rodela de chouriço. Vomitou até de manhã e até hoje, já lá devem ir um 20 anos, afirma que o que lhe fez mal foi o chouriço!! )

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    1. A Cachupa estava divinal.
      Comemos demais. É uma parvoíce.

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  2. Pipocante Irrelevante Delirante29 de julho de 2015 às 15:36

    Num... convívio, bebeu-se de tudo e mais alguma coisa... cerveja, whisky, aguardente, tudo quanto era garrafa em casa marchou. A única componente sólida foi uns pacotes de amendoins. Ora no dia seguinte, meia dúzia passou o dia com a cabeça enfiada no sanitário, a deitar cá para fora o material ingerido de véspera.
    Diagnóstico: os amendoins estavam estragados.

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